quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Uma reflexão sobre o Ano Novo e as Africanidades Brasileiras

Quando caminho no comércio de minha cidade, vejo na entrada de várias lojas, um vaso com plantas como Espada-de-São-Jorge, Comigo-ninguém-pode e Arruda. Diziam nossos antepassados africanos que tais plantas espantam todo tipo de mal como inveja, mal-olhado, olho gordo. Muita gente nem conhece a origem de tal crença mas colocam tais plantas porque a crença já faz parte da cultura brasileira. Toda vez que se aproxima o Ano Novo penso na quantidade imensa de brasileiros que têm o hábito de usar uma roupa branca na virada do ano e creio que nem todo mundo sabe de onde vem este hábito.

Iemanjá é o orixá mais popular no Brasil. De norte a sul, todos sabem quem é Iemajá ou pelo menos já ouviram seu nome. A grande mãe, Odô Iyá, com seus seios fartos deu a luz aos outros orixás. Uma das maiores festas é feita em sua homenagem no dia 2 de fevereiro na cidade de Salvador, onde milhares de pessoas saem vestidas de branco em procissão e vão às águas do mar oferecer presentes. O mesmo acontece no Rio de Janeiro e em diversas cidades do país no Ano Novo, seguindo o exemplo do uso do branco em Salvador, milhares de pessoas vão à praia e pedem proteção à Rainha do Mar no novo ano que se inicia. A prática de usar roupa branca para ir ao mar e oferecer uma flor branca e outros presentes a esta deusa africana fez com que seu nome fosse amplamente conhecido.

Pierre Verger nos conta uma lenda de origem iorubá que diz assim:

Iemanjá era filha de Olokum, deus do mar. Em Ilê Ifé, casou-se com Olofin-Odudua com o qual teve dez filhos, todos orixás. De tanto amamentar seus filhos, os seios de Iemanjá tornaram-se imensos. Cansada da estadia em Ifé, Iemanjá fugiu na direção do "entardecer-da-terra", como os iorubás chamavam o Oeste. Iemanjá chega em Abeokutá e como era muito bonita, Okerê pediu-lhe em casamento. Ela aceitou com a condição de que ele jamais ridicularizasse a imensidão de seus seios.
Um dia Okerê voltou para casa embriagado de vinho da palma. Ele tropeçou em Iemanjá e ela lhe chamou de bêbado imprestável. Okerê gritou: "Você, com seus seios compridos e balançantes."
Ofendida, Iemajá fugiu e Okerê colocou seus guerreiros em sua perseguição. Iemanjá, vendo-se cercada lembrou-se que tinha recebido de Olokum uma cabaça com a recomendação de que só abrisse em caso de extrema necessidade. Iemajá quebrou a cabaça e dela saiu um rio de águas tumultuadas levando Iemanjá em direção ao mar, residência de Olokum. Okerê tentou impedir transformando-se em colina. Iemanjá vendo bloqueado seu caminho, chamou Xangô que lançou um raio sobre a colina Okerê que abriu-se em duas, dando passagem para Iemanjá. Iemanjá foi para o mar ao encontro de Olokum. Nunca mais Iemanjá voltou à terra e ela está em todo lugar onde chega as águas do mar. Na Nigéria ainda hoje existe uma colina de nome Okerê onde passa um rio chamado Ogum.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Dia da Consciência Negra

Dia 20 de novembro é dia de comemorar o Dia da Consciência Negra. Além de lembrar a morte de Zumbi dos Palmares, a data nos propõe uma reflexão sobre a "abolição da escravatura".

O Dia da Consciência Negra é comemorado por ativistas do Movimento Negro desde 1971, mas passou a fazer parte do calendário escolar somente em 2003, quando o presidente Lula, atendendo a algumas reinvidicações do Movimento Negro, criou a Lei 10.639 obrigando as escolas a incluírem em seus currículos os conteúdos referentes a História e Cultura Africana e Afrobrasileira e a incluir o 20 de novembro como um dia especial para lembra a morte de um dos ícones de resistência de nossa história.

O dia da Abolição da Escravatura é visto como uma representação dos interesses da elite brasileira. A comemoração da abolição tem por objetivo reproduzir na cabeça do afrobrasileiro a ideologia que insiste em manter o negro inferiorizado, que foi "liberto" por causa da generosidade de uma princesa. Sabemos que a Princesa Isabel só assinou a abolição devido às pressões dos capitalistas estrangeiros. O Dia da Consciência Negra veio para contestar o discurso implícito no Dia da Abolição. Comemorar a resistência de Zumbi dos Palmares é uma forma de dizer ao povo brasileiro que o negro não aceitou docemente a escravidão e que a abolição não é resultado da generosidade e sim da luta e resistência de um povo.

Para ser conquistada a verdadeira abolição dos afrodescentes, muito ainda deve ser feito. A obrigatoriedade da Lei 10.639/2003 é somente um dos passos para reparar injustiças sócio-culturais que se manifestam de diversas maneiras. As políticas afirmativas e o sistemas de cotas também são importantes instrumentos para quebrar as correntes que ainda aprisionam a população negra.


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A Influência das Línguas Africanas no Português falado no Brasil

Quando falamos de cultura brasileira, temos que buscar entendê-la a partir das matrizes que a constituem: a européia, a africana e a indígena. Nosso foco é buscar entender a influência africana em nossa cultura, uma vez que já existem numerosos estudos sobre as outras matrizes.

Quando falamos de continente africano, temos que ter em mente que não se trata de um único povo ou de uma única cultura. Quando falamos de África, estamos nos referindo a uma grande diversidade de culturas e povos que influenciaram os costumes, as crenças, os valores, a culinária, a música, a língua e outros aspectos culturais de nós brasileiros.

São mais de cinco milhões de pessoas oriundas da África que vieram para o Brasil entre os séculos XI e XIX. Muitos da região banto, que agrupa uma quantidade de mais de 300 línguas semelhantes. Outros da região sudanesa onde há uma enorme variedade lingüística, porém vamos destacar dois principais grupos de falantes das línguas chamadas de iorubá e ewe-fon.

A proximidade entre a estrutura lingüística do português europeu antigo e regional e as línguas africanas facilitou a mestiçagem lingüística e deram nova sonoridade à língua portuguesa falada no Brasil. Atualmente ainda encontramos inúmeros dialetos de origem banto falados na zona rural de vários locais do país, principalmente nas áreas onde vivem remanescentes de antigos quilombos.

Muitas palavras faladas no nosso cotidiano são derivados portugueses a partir de uma mesma raiz banto como por exemplo esmolando, dengoso, sambista, xingamento, caçulinha, entre outras. Temos casos da própria palavra banto substituir o equivalente em português: xingar/ insultar, caçula/benjamim, dendê/óleo-de-palma, bunda/nádegas, marimbondo/vespa, cachaça/água-ardente, cochilar/dormitar, molambo/trapo, etc.

As línguas de origem iorubá e ewe-fon estão ainda vivas nos espaços religiosos de matriz africana, principalmente no Candomblé. Apesar de uma enorme perseguição das lideranças afro-religiosas no decorrer dos séculos, estas línguas são ainda faladas e funcionam como veículo de integração e ascensão na hierarquia sócio-religiosa. Conhecida como língua-de-santo, a sua influência e divulgação acontecem principalmente através da música popular brasileira.

PESSOA DE CASTRO, Yeda. No canto do acalanto. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais,

1990. (Série Ensaio/Pesquisa, 12)

______. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: Academia

Brasileira de Letras; Topbooks Editora. 2001.

______.Os falares africanos na interação social do Brasil Colônia. Salvador: Centro de Estudos

Baianos/UFBA, 1980. n.89.

______. A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do século XVIII. Belo Horizonte:

Fundação João Pinheiro, 2002. (Coleção Mineiriana).

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Candomblé e Resistência

Estou lendo um livro muito bom cujo título é "A formação do Candomblé" do pesquisador Luis Nicolau Parés. Peço licença ao autor para transcrever um trecho que li na página 95 que considero de extrema importância:


(...) os processsos de resistência cultural das minorias étnicas ou das classes subalternas, baseados na manutenção de valores e práticas culturais diferenciados daqueles da cultura dominante, oferecem mecanismos de luta àqueles indivíduos discriminados das esferas do poder. A resistência cultural responde, em primeira instância, à dinâmica mimética inerente a todo processo de aprendizado que acompanha a transferência cultural de uma geração para outra. O indivíduo tende, de uma forma natural, a repetir e reproduzir aqueles valores nos quais foram criados. A resistência cultural se baseia, ou enfatiza, o espírito gregário e conservador do ser humano. Mas, no contexto da luta de classes ou dos conflitos interétnicos, em que aos grupos marginalizados é negada a identificação com os valores do grupo hegemônico, a resistência cultural aparece como dinâmica de diferenciação, como mecanismo de auto-afirmação e defesa perante a ameaça da indiferenciação ou da invisibilidade, isto é, da alienação. A preservação ou reatualização periódica de elementos diferenciadores, na qual se baseia a construção da identidade étnica, constitui de algum modo uma arma política para os excluídos. No contexto dos africanos e dos afro-descendentes no Brasil, o campo da religião, das crenças e das práticas rituais associadas ao mundo invisível parece ter sido o domínio por excelência da resistência cultural."
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia/Luis Nicolau Parés. _2ª ed. rev. _ Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Comida para os orixás

O Brasil é um imenso caldeirão. A comida, sob um olhar estético, informa o significado do que se come e de como se come. Num país onde o alimento ultrapassa a dimensão material, encontramos o valor espiritual herdado de nossos antepassados, principalmente dos povos africanos. Comidas do cotidiano, da festa de rua, da festa religiosa. Comidas do mundo dos homens, dos orixás e de tantos outros deuses que fazem parte das mitologias nacionais. Comidas feitas com pimenta, azeite-de-dendê, inhame, cará, banana aproximam o Brasil dos países africanos, pois estes ingredientes foram trazidos da África.

No Candomblé de nação Ketu, os adeptos acreditam nos orixás. Na nação Jeje, estas divindades são conhecidas como voduns e na nação Angola são chamadas de inquices. As semelhanças são bastante próximas e por isso vamos utilizar o termo orixá por ser mais conhecido.

Cada pessoa carrega em sua identidade alguma característica marcante de uma destas divindades. Dando de comer ao orixá, o adepto está alimentado a essência de seu próprio “eu” e faz aflorar aspectos de sua personalidade que estavam adormecidos. “Dar de comida ao orixá” é alimentar seu deus interior. É fortalecer o conjunto de características de uma pessoa assim como ela é, sem qualificações do tipo “bom” ou “mal”. Trata-se de uma simbologia que o Candomblé defende, pois se a pessoa não alimentar seu deus pessoal, ele deixa de existir. Aqui, o ser humano é que cria e sustenta a divindade. Aumentando sua auto-estima, o indivíduo não aceita ser inferiorizado. Encontra dentro de si forças para não se permitir subjugado.

Muita gente come dos bolinhos feitos com a massa de feijão fradinho pilado, fritos no azeite-de-dendê e recheados com camarão, caruru e vatapá. Mas pouca gente sabe que o acarajé é oferecido a Iansã, deusa dos ventos, das tempestades, dos raios e trovões.


Vamos conhecer um pouco do que é oferecido aos orixás mais cultuados no Brasil?

Exu representa o elemento transformador do universo. É o princípio dinâmico e está associado a comunicação e a sexualidade. É oferecido a Exu farofa de azeite-de-dendê temperada com cebola, camarão seco e pimenta.

Ogum é orixá do progresso, do avanço, da tecnologia. É orixá guerreiro dos metais, especialmente do ferro. É Ogum quem abre os caminhos numa mata fechada. Come inhame assado regado com azeite-de-dendê e feijoada.

Oxossi é o rei do Candomblé de nação Ketu. Está intimamente associado às matas, à caça e à pesca. Suas oferendas são axoxó (milho cozido enfeitado com coco) e frutas.

Ossaim é o que conhece o segredo de todas as folhas. No candomblé não se faz nada sem as folhas. O domínio de Ossaim é a floresta. Pode ser oferecido a Ossaim: fumo, mel, espigas de milho regadas com mel.

Omolu representa a terra, senhor das doenças e epidemias, mas também das curas. Deburu (pipoca) é sua principal oferenda.

Oxumaré está associado ao arco-íris e associado aos movimentos e aos ciclos. Para Oxumaré geralmente são oferecidos ovos cozidos com azeite-de-dendê.

Nanã Buruku sintetiza em si a morte, a fecundidade e a riqueza. Representa a mãe ancestral. Está associada à água, ao barro. Seu prato é o Aberem (milho torrado e pilado do qual é feito um fubá com açúcar ou mel), mugunzá.
Oxum é a bela deusa sensual do amor e da fecundidade. Na natureza manifesta-se nas águas doces e cristalinas dos rios, lagoas, córregos, nascentes. Oxum é o amor em todas as dimensões, símbolo da gestação, da fertilidade e da fartura. Pode ser oferecido a Oxum: Omolocum (feijão fradinho cozido, temperado com cebola e camarão seco e enfeitado com ovos cozidos), Ipeté(inhame, azeite-de-dendê,cebola e gengibre ralados, camarão seco e camarão grande para enfeitar).
Logum Edé é o menino caçador. É filho de Oxum e Oxossi. Representa a fartura e a riqueza. Suas comidas são as que são oferecidas a Oxum e Oxossi.

Iansã é a deusa dos ventos, das tempestades e como já foi dito antes, sua comida é o acarajé, mas pode comer também abará.
Obá é a representação da mulher consciente de seu poder. Representante das sociedades secretas femininas, obá é uma guerreira valente, mas que se anula quando ama. Seus domínios são as águas revoltas, que gera energia e remete ao poder do fogo. Na culinária, divide com Xangô o amalá, apesar de poder oferecer a ela acarajé e amalá.

Ewá é a virgem da mata virgem. Sob a proteção de Oxossi, tornou-se uma valente guerreira e habilidosa caçadora. É senhora do céu estrelado, rainha do cosmo. Está relacionada à água, à mata e ao ar. Sua comida é feita com banana frita no azeite-de-dendê.

Iemanjá é a mãe de todos. Divide com Oxum o domínio sobre a maternidade. Pode ser oferecido a ela manjar, acaçá ( bolinho feito de canjica branca).

Xangô é a personificação da justiça e do poder. É orixá do fogo. Suas oferendas é amalá (quiabo cortado temperado com cebola, camarão seco, peito de gado desfiado) servido em uma gamela enfeitada com 12 quiabos.

Oxalá é o orixá da criação. Representa a essência da vida e seu principal elemento é o ar. Suas comidas são o ebô (canjica branca), acaçá e inhame.



segunda-feira, 30 de março de 2009

A Religiosidade Afro-brasileira


Entre os africanos, o sobrenatural tem uma grande importância. Todas as decisões da vida são tomadas depois que os ancestrais são consultados através de rituais. Quando eles foram trazidos à força ao Brasil, trouxeram esta tradição. Alguns grupos mantiveram-se mais fechados e preservaram com maior rigor os aspectos culturais africanos. Outros reconstruíram sua cultura com a influência de elementos indígenas e portugueses.

Os primeiros estudiosos sobre as religiões afro-brasileiras, influenciados pelo pensamento evolucionista do século XIX, hierarquizavam as religiões, tomando o Cristianismo como modelo "superior" de religião e as que usavam o transe, sacrifício animal e culto aos espíritos, chamavam-nas de "atrasadas" ou "primitivas". Longe de querer cometer este equívoco, nosso objetivo neste texto é de buscar semelhanças entre as manifestações religiosas de matriz africana, sem ter a pretensão de esgotar o assunto e muito menos de querer atribuir uma certa "superioridade" a qualquer uma das religiões por considerarmos a importância que cada uma tem no mosaico da diversidade humana.
Origens: O Brasil recebeu negros ao longo dos séculos de vários lugares da África. Existe uma diversidade cultural muito grande, mas costuma-se elencar dois principais grupos que abarcam uma variedade de etnias por conta das semelhanças lingüísticas e hábitos culturais: os sudaneses e bantos.
Entre os povos sudaneses estão os Iorubás (ou Nagôs) e os Jeje (ou fon), oriundos principalmente da Nigéria e Benin (ex-Daomé). Entre os bantos encontramos os angolanos. Calcula-se que dos bantos tenha vindo um maior número de escravos, exercendo uma grande influência na cultura brasileira. Destacamos estes três povos por serem os principais na formação da cultura religiosa de matriz africana no Brasil, apesar de existir a presença de outros importantes grupos africanos na formação de nossa cultura, como os hauaçás, povo islamizado do Sudão central que os portugueses chamavam de malês.
Oralidade: As religiões afro não se baseiam em livros sagrados como a Bíblia ou a Torá ou o Alcorão. A transmissão do conhecimento religioso africano baseia-se na oralidade. Todos os ensinamentos secretos são passados aos iniciados oral e gradualmente ao longo do tempo. A cosmovisão, a mitologia, as tradições, os rituais litúrgicos, a linguagem são ensinados conforme a participação do iniciado nos cultos. A memória individual e coletiva é preservada até hoje.
Orixás, voduns ou inquices: Os orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis divinizados fundadores de linhagens, reinos e cidades-estado, sendo não só a origem da organização social e política, como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida terrena, à semelhança do que ocorre entre os povos bantos.[1]
A manifestação de entidades e/ou espíritos de antepassados é outro ponto comum nas religiões de matriz africana. Através da dança e do ritmo dos tambores, o iniciado entra em transe e as entidades do além se manifestam. Os povos de origem Iorubá deram a estas entidades o nome de Orixás, que no Jeje correspondem aos voduns e nos terreiros de tradição angola são conhecidos como inquices. Estes deuses africanos personificam as forças da natureza. Das centenas de divindades existentes na África, apenas um número bem reduzido é cultuado no Brasil. Alguns orixás são bastantes conhecidos na sociedade brasileira por serem citados na música popular, na literatura ou por fazerem parte de rituais que se naturalizaram socialmente, como o de oferecer presentes no Ano Novo para Iemanjá.
Sincretismo: os ritos de matriz africana foram bastante perseguidos no Brasil. Primeiramente pela Santa Inquisição, uma organização da Igreja Católica que persiguia os que contestavam suas práticas, e logo depois pelo próprio Estado, que proibiu o culto aos orixás até meados do século XX. Para despistar as perseguições, os africanos e afro-brasileiros associavam um orixá a um santo católico. Então, quando homenagiavam determinado santo com suas danças e cantos, estavam fazendo na verdade para o orixá ali representado. O abismo existente entre as classes sociais e entre brancos e negros no Brasil não impediu que as tradições culturais interagissem uma com as outras. Surgiram novas formas que mantiveram as estruturas semelhantes do Cristianismo e das religiões indígenas e africanas. Hoje, apesar das leis brasileiras garantirem o direito de liberdade de culto não sendo necessário mais o sincretismo religioso, a Umbanda ainda mantém esta tradição, pois suas práticas ritualísticas se baseiam na mistura do Cristianismo com elementos da cultura indígena e africana. No sincretismo religioso existe a idéia equivocada de que o orixá Exu é o diabo. Na mitologia iorubá, Exu não é oponente do criador do universo, assim como o diabo é oponente de Deus na concepção cristã. Exu é o co-criador, o elemento dinâmico e trasnformador da criação.
Muitas são as manifestações religiosas no Brasil que tem origem na matriz africana: Candomblé, Umbanda, Tambor-de-mina, Tambor-da-mata ou Terecô, Xangô de Recife, Batuque entre outros. Procurei sintetizar os elementos comuns entre estas religiões. Para conhecer a filosofia e a cosmovisão é necessário um aprofundamento em seus ritos e em sua mitologia e isto acontece através da experiência e participação nos rituais.
[1] SOUZA, Marina de Mello e. África e Africano / Marina de Mello e Souza. – 2ª ed. – São Paulo: Ática, 2007.

quinta-feira, 19 de março de 2009

A Resistência Indígena e Africana


Herdamos em nossa cultura o preconceito racial, fruto da colonização portuguesa que inferiorizava os povos não-cristãos para dominá-los com mais facilidade. Para escravizar índios e negros, os portugueses logo trataram de impor sua própria cultura e destruir os bens culturais dos dominados.

Muitos índios foram catequizados pelos portugueses e logo escravizados. Os indígenas viam em peças de teatro escritas pelos Jesuítas, personagens diabólicos com os nomes dos deuses cultuados pelos índios.
Quando os africanos foram trazidos à força para o Brasil, suas divindades conhecidas como orixás, inquices ou voduns, eram consideradas como demônios pelos colonizadores.

Desmantelar o patrimônio cultural é o primeiro passo para tornar os escravos mais dóceis e menos resistentes a dominação. Muitos índios, conhecedores das matas desta terra, conseguiram fugir das mãos severas do trabalho escravo. Os africanos encontraram em sua cultura, principalmente em sua religião, forças para resistir e lutar contra a escravidão.

A Cultura Afro-brasileira

Foi aproximadamente a partir de 1580 que começaram a chegar os primeiros africanos vindos para o Brasil. Com dificuldades em escravizar os índios, pois estes conheciam os caminhos secretos das florestas brasileiras, os portugueses fizeram do tráfico negreiro um comércio muito lucrativo, aumentando o fluxo de africanos escravizados para o Brasil.


O continente africano sempre foi povoado por uma enorme variedade de povos, que falam línguas diferentes, organizam a sociedade de maneiras diversas e têm religiões, atividades econômicas e habilidades diferentes. O sobrenatural, a magia, ao qual o homem só tem acesso por meio de rituais e cerimônias, desempenham um papel fundamental na cosmovisão africana e influencia de maneira direta as decisões sociais.


Para entendermos um pouco melhor, vamos abordar alguns aspectos desta cultura que herdamos e que passou muitos anos despercebida dos nossos livros didáticos. A cada semana vamos postar um elemento cultural de forma sintetizada

A Influência Africana na Música Brasileira

Logo nos primeiros anos de colonização, as ruas das primeiras cidades brasileiras já assistiam as festividades de coroação ao "rei do Congo", que simbolicamente representavam uma sobrevivência do costume dos potentados bantos de animarem suas excursões e visitas diplomáticas com danças e cânticos festivos em séqüito aparatoso.


A música conguesa ofereceu as bases do que hoje conhecemos como samba. O lundu tinha como coreografia a umbigada. Nas grandes cidades, o lundu e o batuque foram se misturando a ritmos europeus como a polca e surgiram modalidades diferentes de músicas surgidas no interior do Brasil. O samba rural batido na palma da mão, no pandeiro, no prato-e-faca e dançado à base de sapateados, peneiradas e umbigadas forma uma outra diversidade do samba.


A civilização iorubana, a fon e a angolana ofereceram a estrutura da música religiosa afro-brasileira. O tambor é o principal instrumento usado nas cerimônias e convida as entidades a se manifestarem e dançarem. O culto aos antepassados é enriquecido pelo uso do agogô, adjá e xere. Os africanos foram responsáveis pela introdução de outros instrumentos na América, como o reco-reco, a cuíca, o berimbau, que não têm uso religioso.


Orixá sendo conduzido pelo som do adjá.

domingo, 8 de março de 2009

A Contrução da Identidade dos Afro-Brasileiros




Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque é capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não-eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.

Paulo Freire[1]




O processo de construção de determinada identidade não é um processo linear. Trata-se de uma complexa rede de relações onde se estabelece a multiplicidade da própria noção de identidade. Existem diversas delas: identidade de gênero, racial, etária, cultural, de sexualidade entre outras. As identidades são importantes mecanismos de inclusão e exclusão nas redes de relações sociais, pois afirmam as referências culturais dos grupos.




Construir uma identidade negra positiva em nossa sociedade é um desafio que se faz urgente e necessário, já que, historicamente, nos foi ensinado que os negros e negras precisavam negar a si mesmos para serem aceitos nos grupos sociais. Vivenciamos uma negação dos heróis e modelos negros, a inferiorização de suas características físicas e a desconstrução das memórias deste grupo social. Tais fatores são mecanismos estratégicos de exclusão que têm como elemento primordial a destruição do pertencimento identitário racial positivo.




Este blog tem como objetivo divulgar saberes pertinentes a cosmovisão africana de modo que possa contribuir com a construção de uma identidade dos afro-brasileiros. O enfoque dado pelos livros didáticos somente na escravidão, na pobreza e no sofrimento não oferece a dimensão da história de luta, resistência e dos valores culturais dos africanos, que enriqueceram nosso país durante séculos, muito pelo contrário, ajuda a fortalecer os estereótipos preconceituosos e racistas.




[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. _ São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura)

Fotografia de Pierre Fatumbi Verger

Uma realidade na Educação Brasileira


A questão étnico-racial tende a aparecer na escola como um elemento de inferiorização do aluno negro. Como já foi comprovado em várias pesquisas, o racismo em nossa sociedade constitui um forte elemento que define o fracasso escolar de alunos afro-descendentes, pois gera danos materiais, físicos e psicológicos.[1]
O processo de discriminação racial é configurado de maneira que a sociedade não desvaloriza somente os aspectos físicos herdados pelos afro-descendentes, mas também existe a discriminação de valores e bens culturais e artísticos oriundos da matriz africana. Isto influencia diretamente no rendimento do aluno negro, pois ele não se identifica com o discurso escolar baseado na estética branca, elitista que herdamos dos europeus, como se estes fossem os únicos construtores do conhecimento, da arte e da civilização, relegando aos povos não-cristãos uma posição de inferioridade.
O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda nossa história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou.[2]
A educação pautada em conceitos eurocêntricos é fruto de uma herança da colonização portuguesa que excluiu dos currículos escolares durante muitos anos a sabedoria trazida pelos africanos para o Brasil, contribuindo assim para a recriação do racismo e da intolerância religiosa.
Pessoas com auto-estima elevada estão conectadas consigo e com o mundo, têm consciência de suas potencialidades, capacidades e limitações, enquanto que, uma pessoa com a auto-estima baixa ignora seu potencial, suas motivações, crenças e valores, desconhece suas verdadeiras necessidades, possui pouca confiança em si, dificuldades em identificar seus talentos e de conviver com suas dificuldades.
[1] Sobre pesquisas que apontam o desempenho dos alunos afro-descendentes, ver o trabalho de Alexsandro do Nascimento Santos na obra Negro e Educação 4: linguagens, resistências e políticas públicas – São Paulo: Ação Educativa; ANPED, 2007 e o trabalho de Renísia Cristina Garcia. Identidade Fragmentada: um estudo sobre a história do negro na educação brasileira: 1993_2005. Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007.
[2] BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP 1/2004. Seção 1, p.11 D.O.U. de 22 de junho de 2004.
Fotografia de Pierre Fatumbi Verger